Bravas mulheres invisíveis

Ana Flávia
3 min readMar 5, 2022

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Vó Polônia com três de seus filhos e a sobrinha em +- 1963

Maringá é reconhecida como uma das melhores cidades do Brasil para se viver. Há 70 anos era não mais que uma expectativa de futuro melhor às pessoas que vieram de todo canto do país por acreditarem na promessa. De lá para cá, muitas mãos e mentes trabalharam arduamente e semearam seus sonhos nessa terra vermelha. Quem são os pioneiros e pioneiras que nos trouxeram até aqui? A história de quem chegou antes de nós é a nossa também.

Engenheiros planejaram a cidade. Operários a construíram. Empresários ofertaram empregos e movimentaram a economia. Professores educaram novas gerações. Políticos administraram a coisa pública. Missionários fizeram assistência social. Alguns desses foram prestigiados por seu trabalho individual. Receberam honrarias em vida e tiveram seus nomes gravados em lugares públicos após sua morte. Mas a imensa maioria das pessoas ficaram invisíveis, ainda que essenciais.

O reconhecimento público é simbólico e diz sobre quem tem valor na sociedade. O que a maior parte dos pioneiros que compõem a memória da cidade canção têm em comum? São homens e desempenharam funções de destaque social em sua época. Qual o nome do Parque de Exposições? Do Estádio de Futebol? Do Parque Buracão? Por outro lado, quantos locais foram nomeados em homenagem a pioneiras?

Na história de Maringá cabem poucas mulheres. Quem são as pioneiras de nossa cidade? Elas existiram. Mas onde estavam enquanto homens ocupavam os espaços de poder e recebiam notoriedade? Quais as contribuições daquelas que pavimentaram este caminho? Para cada pioneiro que foi eternizado, muitos outros labutaram e deram suporte em funções pouco valorizadas publicamente.

Minha avó Polônia, que aqui chegou em 1953 migrando do Espírito Santo, costuma me dizer que Maringá não seria a potência de hoje se não fossem as mulheres que aqui estiveram. Com muito suor, elas majoritariamente ocupavam a função social de donas de casa. O trabalho delas era tão insano e extenuante quanto o dos homens que trabalhavam no espaço público (volte três posts). Mas esse trabalho no espaço privado do lar não trazia reconhecimento social. Aliás, não traz.

A narrativa da construção de Maringá é um exemplo que reflete a história das coletividades. As mulheres são fundamentais no desenvolvimento do espaço coletivo, mas invisíveis para a história. Tradicionalmente, são elas que dedicam seu tempo e energia ao trabalho intenso dentro do lar e com os filhos, o que permite aos homens exercerem o trabalho fora do ambiente doméstico. Sem elas, o mundo não giraria. Cidades não seriam edificadas. Grandes projetos não se concretizariam.

Muitas mulheres poderiam ter construído suas carreiras profissionais e contribuído de infinitas maneiras com a sociedade. Possivelmente muitas desejaram e cogitaram explorar outros caminhos, mas não tiveram apoio e oportunidade. O contexto não permitia. Ou nem tiveram a chance de desejar, porque nem imaginavam do que seriam capazes. Com isso, seus potenciais permaneceram adormecidos, inexplorados, e elas ficaram restritas às funções de cuidado. Perderam elas, perdeu o mundo.

Quem ocupa posições de poder narra a história à sua maneira. As narrativas estabelecidas orientam a nossa visão de mundo. Com isso, deixamos de dar valor a muitos personagens desconhecidos tão importantes quanto os de renome. É preciso dar voz às narrativas femininas e validar outras maneiras de contar a história. Aquelas que exercem o trabalho doméstico são a base de tudo que é edificado depois, ainda que seus nomes não estejam em monumentos públicos. Sem as mulheres, não haveria todo o resto.

Este texto faz parte da série “Casa de Memórias”, composta de reflexões a partir da casa onde muitos dos meus afetos foram constituídos. Para ler mais, siga a tag #Casa De Memórias

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Ana Flávia

Escrevo pra mim desde criança, e agora também publicamente. Compartilho porque acredito que é na troca que crescemos e ampliamos a consciência. @anaflavia.vf